O Culto no Metaverso

Helena da Silveira

Luana vivia uma vida de privilégios, embalada pelo luxo de sua casa no Jardim América. Porém, atrás da fachada dourada, uma solidão silenciosa a consumia. Em um mundo onde as paredes físicas eram altas, ela encontrou uma saída nas vastas paisagens digitais do metaverso.

No entrelaçamento de realidade e virtualidade, Luana mergulhava em um novo mundo a cada conexão. A solidão que antes a sufocava desapareceu, substituída pela excitação da aventura eletrônica e da interação global. Em suas jornadas, fazia amizades virtuais, mesmo que distantes geograficamente.

O metaverso, porém, tinha suas peculiaridades. A maioria das salas e comunidades estava repleta de usuários estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, o que fez com que conversa após conversa, a língua inglesa se tornasse tão natural que as nuances do português começavam a escapar no seu dia a dia no mundo real.

Conforme os dias e semanas se desenrolaram, Luana entrelaçou sua presença cada vez mais profundamente no metaverso. O que começara como uma simples fuga das limitações do mundo real evoluiu para uma vida paralela vibrante. Seu cotidiano passou a se fundir com a realidade virtual, enquanto suas interações físicas gradualmente encolhiam, como se as fronteiras entre o digital e o físico estivessem se dissipando.

Uma nova identidade estava sendo esculpida em meio às linhas de código e avatares virtuais. As relações que ela construía com seus amigos virtuais no metaverso ganhavam contornos mais vívidos do que aquelas que mantinha no mundo concreto. O conforto e a autenticidade que ela encontrava nas conversas e aventuras eletrônicas pareciam eclipsar o mundo palpável à sua volta.

Numa noite em que a aura digital parecia mais brilhante do que nunca, Luana encontrou-se imersa no metaverso, explorando os recantos virtuais com curiosidade incontrolável. Enquanto sua jornada eletrônica a levava por salas repletas de avatares anônimos, algo chamou sua atenção. Um perfil destacava-se entre os demais, como uma estrela brilhante em meio à vastidão do espaço cibernético.

Mark, esse misterioso avatar, capturou sua atenção imediatamente. Suas conversas iniciais foram como uma dança digital perfeitamente coreografada. Eles compartilharam ideias, trocaram risadas e, aos poucos, a familiaridade virtual se transformou em algo mais profundo. A voz digital de Mark ganhava cores e emoções, criando uma harmonia virtual que ecoava entre os pixels.

Entre uma troca e outra, Mark revelou seu status de estadunidense, um detalhe que desencadeou uma avalanche de curiosidade em Luana. A diferença cultural e as histórias de vida se entrelaçaram, revelando um mundo distante que estava mais perto do que ela imaginava. Cada história compartilhada era como um fio que conectava duas mentes curiosas, tecendo uma tapeçaria de conexão que transcendia fronteiras.

Em uma noite, quando a lua virtual iluminava o cenário, Mark sugeriu uma expedição digital por um caminho pouco percorrido do metaverso. Eles se aventuraram por paisagens digitais que pareciam ter sido pintadas por pincéis de luz e sombra. As paredes virtuais ostentavam símbolos enigmáticos, uma linguagem secreta que pedia para ser decifrada.

Juntos, eles chegaram a um espaço oculto, como se estivessem prestes a desvelar um segredo ancestral. Ali, avatares distorcidos trajando roupas sombrias circulavam ao redor de um altar digital. Mark, com sua voz digital agora repleta de inquietação, compartilhou detalhes sobre o culto virtual. O epicentro desse ritual era @C0d3S0ul, uma entidade monstruosa e distorcida que parecia emergir das profundezas da própria realidade digital.

Enquanto a atmosfera digital se curvava à sua volta, Luana e Mark encontraram-se diante de algo que desafiava qualquer lógica ou explicação. Era como se tivessem entrado em um reino que transcendia as fronteiras do metaverso, um local onde a realidade virtual e a verdade humana convergiam. 

Um grande ícone @C0d3S0ul pulsava e ondulava, projetando uma aura de escuridão e malícia que os envolvia, como se estivesse prestes a consumir tudo o que os cercava. E, enquanto @C0d3S0ul pulsava, a aura sombria que emanava sugava todos os presentes para um abismo digital, um vácuo que transcendia as dimensões conhecidas. Avatares distorcidos e cultistas, incluindo Luana e Mark, foram puxados inexoravelmente para a escuridão. Um redemoinho digital envolveu-os, apagando as fronteiras entre realidade e virtualidade. Eles foram sugados para um vórtice desconhecido, onde as linhas de código se entrelaçaram com a essência humana. O cenário era uma sinfonia distorcida de pixels e sombras, uma fusão de todas as experiências e conhecimentos que eles compartilharam dentro do metaverso. Um amor impossível consumado no sacrifício virtual.

Enquanto no metaverso as mentes e as identidades eram absorvidas pela escuridão digital, suas presenças virtuais se dissiparam abruptamente, de modo violento, matando instantaneamente as 12 pessoas naquela sala. E assim, do Brasil aos Estados Unidos, passando por diversos outros países como França, Japão, Austrália, Rússia, África do Sul e Índia, cultistas e entusiastas do metaverso morreram em uma noite enigmática e sombria. Nenhum dos corpos apresentava sinais de trauma físico, nem uma causa óbvia de morte. A autópsia de todas as vítimas se revelou inconclusiva, exceto por um velho que, pela fragilidade da idade, foi atribuída uma morte por infarto. 

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